março 12, 2014

O acto de criação é sempre resistência: "Ide embora, não vos quero ver!"


O acto de criação é sempre resistência: "Ide embora, não vos quero ver!"

1. Cuidado com a palavra "arte". 

 O filósofo Gilles Deleuze prefere falar de sensação estética ou acto estético, criativo. Algo que "fere" a tela, a onda de luz, a onda de som. Punctua, toca. Nos toca, nu
uma dobra feita "anima" criando sensação sem emoção parasita. Resistir a ser sempre "ânimo", acção de filisteu. A arte, neste sentido de acto, é resistência ao olhar vigente, à opinião vigente, ao masculino do poder e da coerção. Não é ser subversivo a todo o custo ou pensar que arte é comunicação. A autêntica arte nunca é comunicação, no sentido moderno do termo. E, no contexto actual, a arte como área de negócios deixou de ser subversiva. "Hoje, fazer parte da cultura dominante é ser marginal e subversivo na pintura e na escultura, por exemplo". Palavras do filósofo esloveno Slavoj Zizek.

2. O acto de criação é sempre resistência: "Ide embora, não vos quero ver!" 

 Nos tempos de hoje, é cada vez mais um acto político no sentido de resistir. "O ato de fala de Bach é a sua música, que é um ato de resistência, luta ativa contra a repartição do profano e do sagrado. Esse ato de resistência na música culmina num grito. Assim como há um grito no Woyzeck [peça do alemão Georg Büchner de 1836], há um grito em Bach: “Fora! Fora! Ide embora, não vos quero ver!”".

3. O acto de criação é a única coisa que resiste à morte.

 Diz Deleuze: "André Malraux [escritor e diretor francês, 1901-1976] desenvolve um belo conceito filosófico: ele diz uma coisa bem simples sobre a arte, diz que ela é a única coisa que resiste à morte. Voltemos ao começo: o que fazemos quando fazemos filosofia? Inventamos conceitos. Eu considero esta a base de um belo conceito filosófico. Reflitamos... O que resiste à morte? Basta contemplar uma estatueta de 3.000 anos antes de Cristo para descobrir que a resposta de Malraux é uma boa resposta."
Pensemos. A sensação estética, afecção que nos infecta, deixa uma marca (pode ser uma sensação de apenas um segundo) que nos faz pertencer ao conjunto para sempre, nos une com o todo vivo que é este ponto isolado num infinito sem fim.

Como nos diz o poeta Herberto Hélder, prefiro ter um momento crítico na vida do que ser crítico toda a minha vida. No outro dia, tive a oportunidade, através da gentileza de uma amiga do Facebook que me inidicou o site, de sentir "ao vivo" a dimensão do sistema solar sendo o tamanho da Lua de 1 pixel. Impressionou-me a distância entre nós e o sol. E a nossa pequenez. Numa viagem virtual através do sistema solar. E, se pensarmos em anos-luz a sensação é mesmo esmagadora. A nossa sensação de pequenez e de solidão chega a ser avassaladora mas ao mesmo tempo dá-nos uma outra paradoxalmente oposta, de milagre da criação. Por momentos, compreendi os ataques de "misticismo" de alguns dos astronautas ou dos astrofísicos como o falecido Carl Sagan.
- Tu és repetição, és energia codificada, filogenetizada (usando conversa da biologia): tu és estrela, planta, peixe, cobra e ave na memória filogenética. Temos restos de estrelas, plantas, barbatanas na memória do DNA mas podemos mudar. Não é nada fácil devido às prisões espirituais e sociais que criámos. Mas é possível. Nunca vivemos em tempos tão repletos de oportunidades mas infelizmente também cheios de ameaças.
- Tu és diferença, ao mesmo tempo, criar o novo, ser epifilogenétco. Ser criação. Está provado pela nova biologia genética que, numa geração, podemos fazer isso, ser carne pela palavra.
Fazer parte do fluxo vital que fez tudo, esta maravilha, este ponto minúsculo chamado Terra, ser vivo. Sensação persistente de todos sermos sagrados e galácticos, como dizem, e continuam a dizer os seus sobreviventes, desde há milhares de anos, os "mayas" do sul do México.

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